Memorial Descritivo
A coreografia é um gênero discursivo ligado a poética visual em conexão com os elementos espaciais, temporais, musicais, etc. A complexidade desse discurso demanda um instrumental teórico capaz de operar leituras que satisfaçam a contextos diferentes para cada realização. Cada coreografia apresentam componentes únicos envolvendo ritmo, carga emocional de cada movimento, a sequencia gestual e o esforço intelectual que forma a sintaxe coreográfica. Dentre os autores que estudaram a movimentação do corpo destaca-se o pensador Rudolf Laban, cujas pesquisas oferecem ferramentas para se trabalhar os fundamentos do esforço corporal, tais como os fatores de movimento (o alcance de uma qualidade à outra): tempo, subido ou lento; espaço, direto ou flexível; peso, firme ou leve; fluência, livre ou controlada. Além disso, Laban observa a existência de ações corporais, definidas como “todo e qualquer ato do corpo; um acontecimento físico, intelectual e emocional que produz alteração na posição do corpo ou em partes dele.” O autor destaca oito ações, com derivações específicas a cada intenção gestual: flutuar, pressionar, socar, chicotear, torcer, sacudir, pontuar e deslizar. Essa classificação é bastante importante para introduzir a compreensão da lógica interna do desenho coreográfico levando em conta o corpo e seu potencial de execução de movimentos. Em outro aspecto as categorias de Laban podem servir como referencial para o desenvolvimento da atitude diante do movimento a ser realizado.
Como linguagem artística a dança também é constituída por elementos sígnicos que envolvem uma carga emocional e estética. Assim, a dança causa um impacto afetivo no espectador e esse impacto é derivado de todas as dimensões de sua linguagem, com toda a complexidade já apontada acima. Como afirma Greimas: o conjunto dos gestos e dos movimentos do corpo humano pode sem nenhuma dúvida ser interpretado como um sistema de signos (ROCA-CIORTEA, 1968, p.87).O ato de assistir a um espetáculo de dança leva o leitor a uma interação ativa com a execução da dança em tempo real. E essa interação envolve compreensão intelectual, esforço de memória além da experiência sensível propriamente dita.
Assim, buscamos na Semiótica um instrumental teórico que, juntamente com as categorias de Laban podem ser úteis na criação de uma linguagem artística tão complexa como a dança.
A partir desta fundamentação teórica, traduziremos corporalmente os elementos poéticos dos poemas Corpo Estranho, do livro Mundos e Mutações da poetisa e professora Dra. Olga Valeska, a fim de realizar uma produção coreográfica e de evidenciarmos a relação intersemiótica entre a poesia e a criação em dança. A ideia inicial é explorar o "corpo" em interação dialógica com o ambiente que o cerca a partir das sensações que a leitura do poema desperta em consonância às experiências corporais e artísticas de movimento de cada dançarino...
CORPO ESTRANHO
Eu e esse corpo estranho:
__ No rosto marcas...
__ De quantos esquecimentos?
__ Um corpo com ritmos...
__ Não os controlo nem os conheço.
As mãos tremem
A pele pede
Os pés correm
De não sei que fuga
As veias e os ossos sofrem sozinhos
No silêncio de seu próprio
pulso
... e febres
Podem tornar um corpo tão estranho
Que pode até morrer sem me avisar...
Fonte: VALESKA, Olga. Mundos e Mutações, Editora: Anome, 2010.
Experimento do trabalho Mutações de Um Estranho Corpo feito na Cidade de Diamantina 14/07/2011 á 30/07/2011
... E febres podem tornar um corpo tão estranho que pode até morrer sem me avisar...
Corpos que se encontram, se estranho e se reencontram na intensidade de movimentos e mutações. Este corpo que sente, sangra, chora, ama, muda e transforma em busca de uma corporeidade e em forma de uma dança poética.
Idealização: Fernando AudMouC
Memorial Descritivo: Carol Konzen
Sinopse: Fernando Audmouc, Carol Konzen e Olga Valeska
Imagem: FOCA / UFMG
Agradeço ao projeto EMCOMODO que nos apoiou e produziu esse experimento.